"É a isto que se chama o acto breve, isto é, uma copulação rápida que tem o mau effeito de não ser o goso partilhado, como a natureza tem estabelecido", Dr. Jules Proust em "O Acto Breve", 1910 (edição portuguesa)

24 de junho de 2009

Se avizinha...

O dia raiara cinzento e abafado. D. Raimonda também. De mau humor, murmurava cousas de pouco juízo e nenhuma compreensão: 'Estas vozes são mentirosas'...'Ah! A vida não é um festim: é uma provação e um dever!'...'Calem-se!' Assustadas as aias corriam de um lado para o outro, tentando apanhar os objectos que, a cada passo, voavam. Tomada por várias personalidades, algumas das quais com graves contenciosos entre si, D. Raimonda oscilava entre a ira e a apatia, detendo-se a contemplar a polinização das suas frô ou afagando o ursinho que acreditava ter parido, fruto de uma gravidez histérica com D. Ramiro, a quem carinhosamente chamara D. Ursinho, num momento de genuína inspiração. Sabendo do estado da Condessa, Mestre Piolo de Botiphar logo correu para a biblioteca, no intuito de consultar a sapiente obra de F. Alberoni e assim entender o espírito da atormentada mulher. Tomado das devidas notas, saiu na sua liteira, com os manuscritos enrolados debaixo do braço, rumo aos aposentos nublados de D. Ramiro, onde o dia ainda não havia raiado, sendo incerto quando tencionaria raiar. No dia seguinte de tarde, após uma longa viagem pelo Palácio, na sua impecável liteira, Mestre Piolo alcança os ditos aposentos, onde, até então e ao que se soubera, por A mais B, o dia ainda não havia de todo raiado. Munido de água benta e com um rosário cravado na carne, entre o punho apertado, Mestre Piolo toca o batente que acciona um órgão de tubos que, de pronto, inicia a Toccata e Fuga de Bach, sempre que há visitas (muito pouco, portanto). Uma nuvem sai de mansinho do postigo entreaberto. E outra. Ninguém responde. Um certo tempo depois, uma missiva é empurrada por debaixo da porta, com a seguinte mensagem: 'D. Ramiro saiu. Foi à foresta reunir com o Sapo Verde que dorme na couve. Planos estão sendo planeados. O Sapo Verde deverá ser dominado. Que sejam administrados clisteres de cânfora moída a D. Raimonda, caso voltem as vozes.'

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