"É a isto que se chama o acto breve, isto é, uma copulação rápida que tem o mau effeito de não ser o goso partilhado, como a natureza tem estabelecido", Dr. Jules Proust em "O Acto Breve", 1910 (edição portuguesa)

23 de junho de 2009

D. Ramiro Fuinha: Crónicas de um Retiro.

As trémulas palavras que se seguem foram escritas por um medium psicográfico (*)

SEXTA NO PALÁCIO...
A populaça rodopiava, servindo iguarias aos convidados. Dez metros tinha a mesa e não cabia uma azeitona. De súbito, o mordomo anuncia a trupe da noite.Três ursos amordaçados entram na sala, de bicicleta. Uma banda de anões surpreende os presentes, com melodias disléxicas e afásicas. Forma-se um corredor. Em cima de uma bola gigante, uma pequena criatura, enfiada num fato almofadado e com um gorro de bobo, toca 'Tudo o que eu te dou' em bandolim, enquanto luta para se equilibrar na bola. De repente - horrível decepção -, a criatura escangalha-se no chão. Silêncio na sala. O ar crispa-se. Um cheiro a incenso de capela cobre como um manto os convidados. Uma sombra toma forma sobre a criatura apanicada em esgares, denotando proximidade. Toca um sinete. Um alçapão se abre, engolindo o bobo tuber-guloso. O jantar prossegue.

SÁVADO À NOITE...
Sob um calor de estalar clister, a populaça conduzia o gado à matança. O cheiro adocicado do sangue cobria o vilarejo e os grilos todos se calaram. Bandejas de pão e fruta circulavam ao redor da fogueira crepitante. Um homem de negro, com uma máscara em bico, rasga a multidão, com um fardo de feno aos ombros. Os cavalos relincham e sabe-se, por A mais B, que uma coruja também relinchara. Na torre do Palácio, um postigo entreaberto e um cheiro a incenso de capela denunciavam a vigilância de D. Ramiro Fuinha. O regresso anunciava-se.

DOMINGO...
Os cascos dos cavalos furibundos ecoam na cidade como as cornetas do Pocalipse. Uma carruagem negra, com o condutor envergando uma máscara em bico, seguida de alguns servos com plumas, pára de súbito no meio da praça. Os diligentes servos sacam do tambor que acartavam às costas, entoando ululos e olando a porta da carruagem, como que a dar uma subliminar indicação. Todo o mundo ola a porta da carruagem. O manípulo roda devagar, emitindo um ranger semelante ao de unhas percorrendo quadro de escolinha. Todo o mundo se arrepia e contorce de desconforto. Um aroma a incenso de capela possui sexualmente os presentes: D. Ramiro Fuinha havia chegado de seu retiro.

D.RAMIRO: A PROFECIA...
Tremo, pensando em sua carruagem negra, voando por entre a foresta comum cortejo de servos acendendo e apagando, acendendo e apagando fósforo, para iluminar seu caminho. Nos céus, corvos piando e circulos e pentagramas desenhando. De repente, a portagem. Uma janelinha protegida por uma singela cortininha de veludo se abre ligeiramente. Uma mão oculta sob uma luva preta de cetim atira uma bolsa de moedas que cai no chão, perante o olar perplexo do funcionário. Um cheiro a incenso de capela penetra na cabine do plebeu, possuindo-o sexualmente. Um carro apita.

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(*) Médium do latim medium - Pessoa acessível à influência dos Espíritos, e mais ou menos dotada da faculdade de receber e transmitir suas comunicações. Para os Espíritos, o médium é um intermediário, um instrumento segundo a natureza ou o grau da faculdade mediúnica. Esta faculdade depende de uma disposição orgânica especial, suscetível de desenvolvimento. Há uma diversidade de médiuns: falantespsicofonia, escreventespsicografia, videntes, audientes, curadores, etc..in 'alhures na net'.

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