"É a isto que se chama o acto breve, isto é, uma copulação rápida que tem o mau effeito de não ser o goso partilhado, como a natureza tem estabelecido", Dr. Jules Proust em "O Acto Breve", 1910 (edição portuguesa)

10 de dezembro de 2009

Da vicissitude...


Elegantemente trajado, de pernas cruzadas, mas pensamento distante, Mestre Grou (o Misterioso) cumpria seus misteriosos desígnios, assistindo, por convite real, ao concerto de cravo de Dona Courgette de Monfort, na companhia de seu muy dilecto amigo Mestre Piolo de Botiphar que tomava notas para a edição do Papirius Musicales Geniales, onde era autor de uma reputada crónica. Cansado da sua infelice peregrinacion, Mestre Grou esforçava-se por encontrar uma qualquer explicação para o estranho desaparecimento de Élise, a cândida virgem santola, nascida e criada na mais pura e alva espuma do mar, cuja mão e todos os demais membros seriam confiados ao hábil cavaleiro que conseguisse catapultar para a torre do Castelo Castelense o mítico aranhão perneta, sucessor do dragão que comia malagueta e cospia fogo, gritando impropérios.

Seu amigo, Mestre Piolo, grande conhecedor do saber do Mundo e de seus arredores, pouco apoio lhe havia prestado, dado estar ocupadíssimo com o inventário anual do espólio dos De Fuinorum, recentemente engordado com uma Exquisite Collection proveniente de uma arca antiquíssima e seladíssima encontrada na caixa da manteiga. Por esta altura do ano, D. Ramiro e Dona Raimonda esgueiravam-se para a cripta do Palácio e ali permaneciam, saindo apenas ao cair da noite. A populaça comentava os urros e ululos que de lá se podiam escutar e que, acrescentavam, arrepiavam o mais incauto ectoplasma. Ninguém sabia ao certo a razão de ser de tal ritual, mas suspeitava-se de que se tratava de uma extravagância Fuinoris, que remontava ao tempo do Tetravô Dom Abelardo Demencial, el Yosef Cid, da Linhagem dos Cid, que perecera louco, dançando até se exaurir com uma faneca frita.

De súbito, um toque de bengala seco acometeu a rótula de Mestre Grou. Uma voz sussurrou: 'rápido, para trás do jarrão chinois.' Discreto, num vapt vupt de que Mestre Piolo se não apercebeu, o Mestre fez-se presente na retaguarda do grandioso jarrão que separava a sala do concerto do wc feminino das fêmeas de seis tetas. Um vulto, de imperceptíveis contornos, ostentando um cartaz, olhava, esfíngico e silencioso, o sapiente Grou. 'Élise foi levada ao Conselho dos Passarinhos Chapeleiros'. 'Procurai metáforas'. Ao soar do último acorde de Dona Santola de Monfort, o vulto imperceptível esfumou-se no ar, deixando apenas o cartaz caído no chão, que Mestre Grou enrolou e, de pronto, na algibeira guardou.

O Conselho dos Passarinhos Chapeleiros era a instituição secreta mais temida por todos os que sabiam das coisas secretas. Formado pela elite aristocrática subversiva, o Conselho só admitia Passarinhos de soberba penugem amarela, sem mácula de pinta alguma. Celebrava-se um ritual iniciático que consistia no sobe-e-desce do pauzinho de gelado Perna del Pau, com um chapéu colorido que, de forma alguma, poderia tombar, sob pena de decapitação e guisado promíscuo ou 'con todolos', como era uso chamar-se. Era do conhecimento dos que da ciência secreta faziam mester que o Conselho dos Passarinhos Chapeleiros era versado em fórmulas alquímicas capazes de transformar um coelho num boi alado ou uma mousse de chocolate num queque azedo com nozes.

Mestre Grou tremeu. 'Procura metáforas'? Élise havia sido capturada e, quiçá, profanada em sua púdica pudibúndia. Tratava-se, por certo, de um acto sumamente subversivo, concluíra o astuto Mestre.

Botiphar adormecera com os pergaminhos escorregando pelas pernas abaixo e um pingo de baba escorrendo pelo canto da boca. Dona Santola já ía no terceiro encore. O telemóvel toca. Mestre Piolo de Botiphar desperta, então, abruptamente, dando um salto na cadeira e um gritinho histérico que a solista interpretou como um espasmo de êxtase musical, sorrindo. De Fuinorum ordenavam regresso imediato ao Palácio. Era necessário nutrir os Condes que se recusavam, mercê de sua opulência, cortar o bife aos pedacinhos.

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